Resenha do artigo “Considerações sobre a evolução filogenética do sistema nervoso, o comportamento e a emergência da consciência” de Guilherme Carvalhal Ribas (2006).
Na medida em que tentamos ficar esclarecidos sobre determinados assuntos, as perguntas crescem em proporções maiores. O que nos compõe? O que é responsável pelos comportamentos dos quais realizamos? Perguntas como essas estão em torno dos conhecimentos que a filogenética, ontogenia e neuroanatomia proporcionam. Talvez um ponto cabível nessas questões seja a adaptação, mas esse contexto de adaptação subentende a diversidade e aumento da complexidade como intervenientes, denunciando então uma relação multifacetada de meios. E aí, antes de tudo, quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?
O artigo “Considerações sobre a evolução filogenética do sistema nervoso, o comportamento e a emergência da consciência” apreende os estudos acerca da evolução filogenética, da neuroanatomia e da ontogenética para clarificar conceitos e configurações sobre o sistema nervoso e suas implicações no comportamento e no surgimento da consciência. Ele evidencia-se, ainda primordialmente, que a evolução dos filos tem um ponto em comum: a mudança advinda de fatores ambientais, principalmente, imputando adaptação, diversificação e complexidade das organizações anatômicas.
A diferença do cérebro humano para os dos demais animais, segundo o autor, reside na sua dimensão e organização, onde todo o trajeto realizado no desenvolvimento ao longo de milhões de anos em vertebrado é reapresentado no desenvolvimento embrionário e fetal dos seres humanos. Ribas (2006) coloca a função do sistema nervoso como mediadora entre o meio interno e o meio externo, exemplificada por ele através da ameba, visando à adaptação a partir da irritabilidade, condutibilidade e contratilidade. Mas, para além da adaptação, a complexificação e especialização tornaram-se evidentes nesse cenário, cada vez mais.
Na evolução, com o surgimento dos neurônios de associação, o que antes ocorria com a sinapse direta do neurônio sensitivo ao neurônio motor, nesse momento se tem como intermediário entre eles o neurônio de associação. Isso permitiu a interação de segmentos e a formação de centros nervosos que regulam e controlam o funcionamento corporal e media a interação com o meio externo em alguns animais primitivos, constituindo-se, então, o sistema nervoso central mais básico, conforme o artigo. Portanto, é de se esperar que as funções e capacidades estejam de acordo com a organização desse sistema.
Com a constante vivência no ambiente, mais refinamentos são exigidos e a evolução prossegue no desenvolvimento de estruturas mais superiores, especializando as áreas do sistema nervoso no desempenho de algum papel predominante, mas não isolado. Nesse sentido, o artigo destaca uma progressão aparentemente linear de eventos aos quais os animais primitivos se colocaram, onde adveio a constituição morfológica e funcional das espécies atuais e do humano, principalmente pela incursão terrestre. Nesse processo, o primeiro sistema desenvolvido foram os lobos olfatórios.
O artigo destaca, por conta desse evento, a relação do complexo amigdalóide, hipocampo e hipotálamo na sofisticação dos comportamentos dessas novas espécies. Seguidamente, as estruturas cerebrais vão crescendo e se dispondo de funções mais sutis, como no caso da primeira modalidade de memória com o desenvolvimento das estruturas olfatórias. Começam os comportamentos não automáticos, então. Os controles nos animais primitivos, em primeiro momento, fogem ao controle realizado pelos indivíduos atualmente com a organização cerebral de que dispõem.
Antes, apresentava-se uma cadeia de ações para se adaptar aos meios e resistir a ele em forma automática. Atualmente, verifica-se uma enorme mudança, onde o controle é realizado com e sobre o meio pelos humanos. Ribas (2006) menciona o importante papel analítico do córtex pré-frontal, do neocórtex, da integração das aferências e eferências ocorridas no tálamo e dos hemisférios cerebrais na coordenação de informações, podendo, portanto, ser correlacionados à emergência da consciência. Ele apresenta comparações para evidenciar o surgimento e sobreposição de áreas mais recentes no sistema nervoso.
De acordo com o autor, nesse processo evolutivo e de modificações espaciais, os antropoides são os que mais se assemelham ao sistema nervoso visto nos humanos. Uma característica interessante e que pode ser evidenciada ao longo dos diferentes membros do gênero Homo, no artigo, é o aumento do volume cerebral. E com o aumento de áreas pré-frontais, vincula-se esse evento com funções superiores e os comportamentos consequentes disso. A linguagem também é um ponto mencionado pelo autor nesse processo evolutivo e, principalmente, como resposta à postura ereta dos primeiros homens.
A consciência é apresentada por Ribas (2006) como um processo consequente ao arranjo neuronal e a complexidade daí surgida. A partir desses cenários, ele circunda todo o desenvolvimento dos homens com o advento da linguagem escrita, culminando nos pensadores modernos e, logo, na contemporaneidade. Tanto a evolução filogenética como a consciência encontram certos obstáculos para conceder uma explicação exata, por estarem cercadas de muitos fatores e contextos. Não obstante, o artigo é digno de leitura, exímio, necessitando de algumas considerações prévias a fim de facilitar a compreensão do todo que é apresentado sucintamente no artigo.
Definindo Conceitos Importantes
Neuroanatomia: Ramo da anatomia que lida com o sistema nervoso, ou a estrutura neural de um órgão ou parte.
Irritabilidade: Ou excitabilidade, é a capacidade de ser sensível a um estímulo.
Condutibilidade: Capacidade de conduzir uma mensagem.
Contralidade: Capacidade de se contrair, realizar encurtamento da célula.
Neurônios de associação: Encontram-se no sistema nervoso central associando diversas áreas. Podem ser excitatório ou inibitórios.
Complexo Amigdalóide: Localizada na extremidade ântero-inferior do lobo temporal. Este complexo faz parte do sistema límbico e é um importante centro relacionado com o controle emocional e comportamento sexual.
Hipocampo: No cérebro humano, o hipocampo [se localiza] no interior do lobo temporal. Estrutura cerebral totalmente envolvida com a consolidação de memórias de longo termo (ou longo prazo), principalmente para informações verbais.
Hipotálamo: Está implicado na manutenção da homeostasia, com o controle visceral, o controle endócrino (devido a sua relação com a hipófise), com reações de expressão da emoção; enfim, com funções das quais dependem a nossa sobrevivência e bem-estar.
Referências Bibliográficas
CORTEZ, Célia Martins; SILVA, Dilson. Fisiologia aplicada à psicologia. 1. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
JÚNIOR, Mourão; ALBERTO, Carlos. Fisiologia humana. 2. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. 2. Ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2010.
RIBAS, Guilherme Carvalhal. Considerações sobre a evolução filogenética do sistema nervoso, o comportamento e a emergência da consciência. Rev. bras. psiquiatr. Vol. 28, N. 4. [meio digital], 2006. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-440228.
Ficha Técnica
Texto da resenha: Ramon Santiago do Nascimento é aluno de Psicologia da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Contato: ramonsantiago352@gmail.com
Edição e revisão técnica: Luã Teixeira Guapyassú Câmara / Danielle Paes Branco