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Cérebro no intestino?

19 de março de 2021

Resenha do artigo Impacto do microbioma intestinal no Eixo Cérebro-Intestino de Renato Augusto Zorzo (2017)

Você já ouviu sobre duas partes do cérebro? Provavelmente, sim. No senso comum está em voga que um dos lados é analítico, matemático e racional, enquanto que o outro é sensível, emocional e artístico. No entanto, toda a parte cerebral é interligada como um conjunto orquestral. Agora, ouvistes falar de outro “cérebro” descoberto recentemente? Não? Pois, então, instigue sua atenção para vislumbrar o que estudos atuais, em áreas que antes eram de pouco interesse, têm trazido para fomentar mais pesquisas.

O artigo “Impacto do microbioma intestinal no Eixo Cérebro-Intestino” trata sobre a importância do microbioma intestinal que não é menos prestigioso que o sistema nervoso central – abordagem de muitos estudos. O Eixo Cérebro-Intestino demonstra que a atenção não se relaciona com a importância. Por muito tempo os micróbios foram deixados à parte. Porém, o impacto do microbioma vai desde sua interferência no sistema imune, homeostase às influências no comportamento. Ainda, a questão da saúde e doença também compartilha do estado funcional da microbiota intestinal.

As premissas são buscadas em outros artigos publicados num espaço tempo de cinco anos. Com elas, busca-se elucidar as principais características populacionais, funcionais e estruturais da microbiota que podem explicar problemas sistêmicos de acordo com suas faltas ou excessos. Os motivos que diferenciam os microbiomas em pessoas saudáveis são incertos, mas alguns deles são destacados pelo autor: “dieta, ambiente, tipo de parto, genética do hospedeiro e fatores relacionados à exposição precoce aos microbiontes”.

A palavra chave é a integração. Partes cognitivas de controle e emoção ficam ligadas ao sistema entérico pelo eixo cérebro-intestino e integram, então, entre si a comunicação, sendo possível a regulação de respostas. O autor continua, ainda, com a exposição de um momento fundamental para a constituição do microbioma: os primeiros anos de vida. A conclusão ainda é incerta, mas a literatura indica que disfunções na microbiota nesses primeiros anos de vida têm relações com o Transtorno do Espectro Autista e, ademais, outros transtornos mentais.

O autor abre espaço para explicações detalhadas das interações da microbiota com os outros sistemas, principalmente o entérico. Mas o sistema nervoso central também é alvo destas implicações. Há influência na memória e aprendizado pela estimulação do sistema nervoso autônomo simpático e secreção mucosa de serotonina motivados por ácidos graxos de cadeia curta – butirato (C4), propionato (C3) e acetato (C2), gerados no intestino -, na mielinização de neurônios e na plasticidade da área responsável por expressar a personalidade: o córtex pré-frontal.

Um importante aspecto no texto é a serventia dos dados para uma possível “intervenção terapêutica no controle do stress e de todas as doenças relacionadas a esta resposta orgânica” como destaca o próprio autor. Ele tenta convencer dos resultados de sua busca para a aplicação de uma ação que possa beneficiar os sujeitos acarretados de mazelas psicológicas advindas do distúrbio da microbiota nas primeiras fases de vida. Isso porque a relação do microbioma para com o stress é mútua.

É exímia a importância do artigo a fim de incentivar buscas de mais respostas, pois a conversa entre a microbiota com o sistema nervoso central pode esclarecer alterações funcionais destes sistemas e propor intervenções terapêuticas. Muitas evidências foram colocadas pelo conjunto de vozes que pesquisaram a relação do microbioma com os sistemas entérico, autônomo e central. Com isso, a forma que o autor abordou o tema se mostrou compreensiva e suas finalidades claras. 

A indicativa se volta aos estudantes, profissionais e mestres das áreas de saúde, pois o conhecimento das partes discorridas no artigo se faz ao mínimo necessário. Para este público, importa a condução de tomadas de decisões e ações por parte dos indivíduos. Portanto, o entendimento de onde provêm tais estímulos é fundamental para aplicações de soluções e resoluções de problemas. Vê-se que o ambiente interfere no organismo e, com ele, o próprio organismo e suas partes não consideradas tão relevantes, até o momento.

Sendo assim, o microbioma interfere no funcionamento do organismo tanto quanto os neurônios, e a sua quantidade é ainda maior: cerca de cem trilhões de bactérias. Sua ligação é direta com as estruturas gastrointestinais (SNE) e com sistemas cerebrais de controle cognitivo e emocionais capazes de regular os mecanismos corporais e interferir no funcionamento do Eixo Cérebro-Intestino. E, contudo, ele age no SNS que lida com o stress, alterando comportamentos, influenciados pela plasticidade.

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DEFININDO CONCEITOS IMPORTANTES:

– Microbioma: Somatório dos micro-organismos que existem no organismo humano.

– Eixo Cérebro-Intestino: Vias neurais e gânglios ligando o Sistema Nervoso Central, Sistema Nervoso Entérico, Sistema Nervoso Autônomo e sistemas de comunicação. 

– Sistema Nervoso Entérico: Responsável principalmente pelo controle da motilidade digestória, que é exercido pela detecção de alterações nas paredes e no ambiente químico do trato gastrointestinal, de modo que estes estímulos causam respostas na musculatura lisa, em vasos sanguíneos e em glândulas secretoras da mucosa.

– Sistema Nervoso Simpático: Deriva da palavra grega que significa “harmonia” e se relaciona à ideia de que sua função é homeostática. Parte do sistema nervoso responsável pelo controle dos órgãos internos (sistema nervoso autónomo). Possui axônios pré-ganglionares curtos que terminam em gânglios próximos à coluna vertebral e axônios pós-ganglionares longos que se incorporam aos nervos e estendem-se por todo o organismo até os órgãos alvo.

– Plasticidade (ou Neuroplasticidade): A capacidade de adaptação do sistema nervoso, especialmente a dos neurônios, às mudanças nas condições do ambiente que ocorrem no dia a dia da vida dos indivíduos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JOTZ, Geraldo Pereira et al. Neuroanatomia clínica e funcional: anatomia, fisiologia e patologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. 352p.

LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios? : conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Editora Atheneu, 2010.

ZORZO, Renato Augusto. Impacto do microbioma intestinal no Eixo Cérebro-Intestino. International Journal of Nutrology, 2017. P. 298 – 305. Disponível em: https://www.thieme-connect.com/products/ejournals/abstract/10.1055/s-0040-1705652. Acesso em: 25 de Fev. de 2021.

FICHA TÉCNICA

Texto da resenha: Ramon Santiago do Nascimento

Edição e revisão técnica: Danielle Paes Branco e Julyana Maya

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José Ferreira-Ferrahz

Um valioso direcionamento de ESTUDOS a questão entérica. Porem, reclamando maior aprofundamento no que tange à problemática do stress, medo e culpa e do trato com o sistema VAGO. O cérebro entérico do nosso sistema é impressionante e requer também uma nova neuro análise do comportamento humano.
Um artigo muito bom.
Valeu, um abraço!