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As células guardam nossas memórias?

19 de agosto de 2022

Resenha do artigo “Structural Plasticity and Memory” de Raphael Lamprecht e Joseph LeDoux (2004).

O mundo reserva diversas transformações e faz-nos pensar como Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Isso se relaciona a nós, ao ambiente ou a ambos? São compreensíveis as complexidades dessas metamorfoses nos espaços externos e, também, internos aos sujeitos. Tal é a proposta do artigo “Structural Plasticity and Memory” de Lamprecht e LeDoux, onde os mesmos explanam a arquitetura celular a fim de clarificar acerca da incitação e consolidação das memórias. O que aparentemente parece corriqueiro para nós, lembrar, dá-se como extremamente sutil a nível molecular.

Os autores tornam conhecido que a memória está para o estabelecimento de mudanças estruturais e fisiológicas a partir da transmissão sináptica, ou seja, a consolidação dessas modificações físico-químicas, logo, organizacionais. Adentrando a essas mudanças moleculares, a síntese proteica se verifica como um fator contribuinte às mudanças ocorridas morfologicamente nos neurônios. A primeira proposição trazida no artigo traduz a repetição da ativação celular que pode trazer mudanças no seu metabolismo e, dessa forma, causar outras ligações entre os neurônios.

O artigo identifica, então, as possíveis mudanças na arquitetura neuronal, principalmente entre os neurônios pré e pós-sinápticos, que podem estar relacionadas aos processos de iniciação e estabilização de memórias. Logo, a constituição da memória de longo prazo. Eles discorrem sobre três caminhos dispostos na literatura sobre as mudanças ocorridas nesses neurônios. A primeira diz respeito ao comportamento animal que induz ao aprendizado e, portanto, a essas modificações. A segunda está para a forma artificial de plasticidade, onde ocorre uma estimulação longa de potencial elétrico no(s) neurônio(s) alvo(s). A terceira se concentra no desenvolvimento, nos primeiros anos de vida.

Eles, antecipadamente, sumarizam a iniciação e manutenção sináptica com a teoria Hebbian, que pode ser chamada também de plasticidade associativa, para, então, explanar sobre a plasticidade estrutural. Essa teoria aborda a entrada de cálcio no neurônio pós-sináptico, dada excitação e abertura de receptores e canais dependentes de voltagem e, principalmente, pela atividade de canais de cálcio simultaneamente entre os neurônios pré e pós-sinápticos. As proteínas quinases estão, também, no ponto decisivo entre a síntese proteica e as transformações ocorridas na estrutural sináptica e morfológica dos neurônios ali presentes. 

Ainda, é depreendido que os estudos citados indicam mudanças não só na morfologia sináptica, ou seja, na forma e tamanho, mas também na frequência das sinapses. Os espinhos dendríticos participam dos processos sinápticos com a modulação das concentrações moleculares e, portanto, correlacionados às modificações na estrutura sináptica durante o aprendizado, considerando-se, então, como um atributo à memória. Aprendizado e memória parecem andar juntos nas colocações dos autores. E, a formação, multiplicação e modulações nos espinhos dendríticos são as bases funcionais para esses dois pressupostos.

O artigo aponta que tanto a modulação quanto a estabilização dos espinhos dendríticos são dependentes da polimerização de actina. A memória é formada pela estabilização desses espinhos. E essas colocações são reafirmadas pelo efeito contrário das drogas que suprimem a polimerização de actina e, dessa forma, inibem a plasticidade. Vale mencionar que há um rearranjo em conjunto na arquitetura celular e nos espinhos dendríticos. Enquanto as atividades do receptor dependente de glutamato e seu agonista aspartato (NMDA) está para as fases iniciais de modulação dos espinhos dendríticos, o receptor permeável ao cálcio (AMPA) está para as fases em que há uma estabilização desses espinhos.

Por conseguinte, o que anteriormente poderia parecer um evento natural e espontâneo, a gravação de memórias ao passo das experiências, denuncia diversos mecanismos que demonstram ser um assunto profundo e banhado de detalhes que se somam para produzir o resultado final que é a solidificação das memórias. Todos esses mecanismos, então, contribuem delicadamente para a criação de memórias, indo do mais sucinto até os mais complexos que advêm da interação desses diferentes fatores, principalmente pelo aumento na quantidade de espinhos e receptores, além da contribuição das proteínas quinases.

Os autores, ainda, destacam o papel importante da adesão molecular, onde, após a aquisição, ajuda na consolidação da memória e se verifica na alteração morfológica, dado os experimentos. A leitura do artigo se direciona aos graduandos, minimamente, pois os conteúdos colocados pelos autores requerem a antecipação dos conhecimentos sobre as estruturas que compõe os neurônios, suas funções e especificidades, ou seja, neuroanatomia, neurofisiologia e fisiologia, além das tecnologias utilizadas na experimentação das teorias ali mencionadas.

Definindo Conceitos Importantes

Transmissão sináptica: […] passagem de informação de um neurônio para outra célula, por meio de um mecanismo específico de transmissão. Com base nas suas características […], as sinapses são classificadas em dois tipos: sinapse elétrica e sinapse química.

Síntese proteica: Primeiramente, […] a informação codificada em uma região específica do DNA é transcrita (copiada) para produzir uma molécula específica de RNA [e, depois,] o RNA se liga a um ribossomo, onde a informação contida no RNA é traduzida [formando] uma nova molécula de proteína.

Canais dependentes de voltagem: Os canais controlados por comportas [que] podem ser abertos por alterações da voltagem […] existe naturalmente na membrana entre o interior e o exterior da célula nervosa.

Proteínas quinases: […] uma enzima que catalisa a fosforilação de proteínas […].

Espinhos Dendríticos: […] Constituem expansões da membrana plasmática do neurônio com características específicas […] demonstrando sua plasticidade, que pode estar relacionada à memória e aprendizagem.

Plasticidade: A capacidade de adaptação do sistema nervoso, especialmente a dos neurônios, às mudanças nas condições do ambiente que ocorrem no dia a dia da vida dos indivíduos […].

Referências Bibliográficas

CORTEZ, Célia Martins; SILVA, Dilson. Fisiologia aplicada à psicologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.

LAMPRECHT, Raphael; LEDOUX, Joseph. Structural plasticity and memory. Nature reviews neuroscience. Vol. 5, 2004. Disponível em: https://www.nature.com/articles/nrn1301.

LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios? :Conceitos fundamentais de Neurociência. 2. Ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2010.

MACHADO, Angelo; HAERTEL, Lucia Machado. Neuroanatomia funcional. 3. Ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2014.

TORTORA, Gerard J.; DERRICKSON, Bryan. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 14. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.

Ficha Técnica

Texto da resenha: Ramon Santiago do Nascimento

Edição e revisão técnica: Luã Teixeira Guapyassú Câmara / Danielle Paes Branco

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